sábado, 7 de março de 2009

Um conto - Amanhã por hoje?


Arnaldo era o cara! Contava seus 35 anos. E estava no auge. Era diretor de uma grande rede que vendia convênios médicos. Orgulhava-se de sua posição e tinha motivos para se orgulhar. Era jovem ainda e já comandava um grande negócio. Determinava regras, tinha o comando, considerava-se um vencedor. Principalmente, por ter sido um menino pobre, filho de um homem trabalhador, mas que, apesar de nunca ter deixado faltar nada em casa, sempre fora ausente. Como sua mãe sempre trabalhou fora para contribuir com a despesa, nunca conseguiu suprir a carência de pai que ele sentira, apesar dela ter sido um pouco mais presente. No entanto, tudo isso eram apenas lembranças e fazia parte do passado. Hoje ele era um homem de sucesso, que estudara e conquistara seu lugar ao sol.
Em alguns momentos as pessoas não entendiam suas decisões, mas ele tinha que ser linha dura. Afinal, mesmo trabalhando com saúde, tinha que pensar nos lucros. Ele tinha uma família para sustentar e também queria progredir, oras. Pelo menos era o que gostava de acreditar. E se a saúde não tinha qualidade no país, a culpa não era sua. E se havia algumas regras que prejudicavam os seus clientes, eram ossos do ofício, fazer o que? Ele não iria conseguir agradar todo mundo, pensava.
O seu mais novo problema era aquele sujeito que resolveu fazer um convênio para a mãe de 115 anos e como não conseguiu, resolveu levar o caso para o jornal. E a impressa estava em cima, o que poderia significar problemas. Obviamente ele não incentivava seus corretores a vender convênios para essa gente idosa que, a seu ver, já está fazendo hora extra na terra. Seria prejuízo na certa!
No entanto, ele sabia que o tempo ia passar e aquela história iria ser esquecida. Não era a primeira vez que reclamavam. Pessoas idosas ficam doentes sempre, causam custos, por isso que os corretores já não recebiam comissão por este tipo de venda e, se mesmo assim, seus funcionários resolvessem vender os convênios, o valor seria tão alto que poucos teriam condições de arcar. Não precisava temer, logo o caos passaria.
O tempo passou e Arnaldo teve razão. O problema foi amenizado. As pessoas esqueceram. Brasileiro tem memória curta. E o diretor foi levando sua vida e seus negócios, sempre se concentrando na progressão profissional e financeira. Assim os anos foram passando... Um ano... Dois... Até cinco anos... E Arnaldo foi demitido! Meu Deus, que choque terrível! Aos 40 anos, quem lhe daria emprego? E com um salário tão alto quanto estava acostumado? Ele nunca foi o tipo que poupava. Apesar de ter ganhado sempre um bom salário, também morou muito bem, comeu muito bem e ostentou muito bem. Muitos carros financiados e muitas viagens. E agora? O que iria fazer? Mas não iria se desesperar, com a experiência que ele tinha e os amigos influentes, com certeza logo arranjaria outro emprego.
Entretanto, os dias foram passando depressa e nada de emprego. Já fazia dois anos que estava desempregado e não conseguia achar nada a sua altura. O dinheiro que recebeu referente a dispensa do emprego mal deu para as dívidas e ainda haviam lhe sobrado muitas delas sem pagamento. O lado positivo foi que, durante o último ano, ele conseguira se aproximar mais de sua família e até de seus pais. Percebeu que tinha se afastado muito do convívio com as pessoas queridas. Notou que seus pais sentiram sua falta, mas respeitaram a sua escolha de se manter distante, e agora, mesmo falido eles o aceitavam, diferentes dos amigos, que acabaram se afastando. Naquele último ano tinha feito programas com o pai e a com a mãe que lhe proporcionou a chance de conhece-los um pouco melhor e permitiu-lhe curti um pouco a companhia dos dois idosos queridos. Que nem ele tinha percebido o quanto eram queridos para ele, até aquele momento. Pescou diversas vezes com o pai e levou a mãe para almoçar outras vezes.
No entanto, os problemas financeiros ainda continuavam. Dos numerosos bens, sobraram-lhe a casa e um veículo. O que era positivo por um lado, também lhe preocupava por outro, pois era IPVA, IPTU e contas e mais contas. Ele já não sabia o que fazer. Sua esposa, Elisa, tinha parado de trabalhar a muitos anos, afinal dava para viver sossegado com o que ele ganhava. Mas agora, diante da nova situação, seus três filhos já tinham sido transferidos para a escola pública e o padrão de vida da família diminuía cada dia mais.
Foi então que aconteceu o pior: Naquela manhã de domingo todos acordaram felizes, pois iriam almoçar na casa dos pais de Arnaldo. A família inteira estaria lá. Seria um domingo venturoso. Todos se arrumaram e, contentes, se dirigiram para o almoço. Arnaldo sabia que o seu pai passara mal no meio da semana, mas o velho era forte e já estava bem.
Chegaram por volta das 10h e cada qual foi para um lado. As crianças foram brincar, a esposa foi ajudar a sogra e as cunhadas e ele foi bater papo com os irmãos e com o pai. Foi aí que de repente, o seu João, pai de Arnaldo teve uma forte dor no peito e foi encaminhado ao hospital. Ele seria atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pois não tinha convênio médico.
No hospital, Arnaldo ficou sabendo que o seu João teve apenas um princípio de derrame e logo voltaria para casa, mas como ele tinha várias veias entupidas seria necessário fazer um cateterismo o mais breve possível ou poderia morrer. O ex-diretor tinha consciência que se fosse esperar pelo SUS, o pai não teria muita chance de vida, então ele resolveu usar o pouco dinheiro que ainda tinha e juntar com a contribuição dos irmãos para tentar fazer um convênio para o seu pai, que já tinha 69 anos de idade. Ele não achava justo que um homem que trabalhou a vida inteira fosse tão maltratado no fim da vida. E seu pai era um homem bom. Tinha sido um pai distante, mas ele descobriu, depois que se reaproximou, que o seu pai tinha muito a ensinar, apenas ressentimentos de uma vida inteira não o tinha permitido ver isso. Com a experiência que ele tinha nesse meio, sabia que o desafio que vinha pela frente era grande, tinha noção de como iria ser custoso conseguir um convênio médico para seus pais (porque, claro, que ele ia fazer um convênio para a mãe também), além de caro, seria por volta de R$ 500 mensal, o valor que seria pago pelo convênios dos dois e, além disso, os corretores não iriam se esforçar para vender o convênio, pois não ganhariam a comissão. Mesmo sabendo de tudo isso ele não iria desistir...
E assim, começou a sua procissão, ele correu atrás de convênios, por um mês, até que seu pai teve um ataque cardíaco durante uma certa noite de verão e, acabou falecendo por não ter tido um atendimento preciso. E Arnaldo pensou: ”Por que será que parece doer mais quando é conosco?”

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