sábado, 14 de março de 2009

Um conto - Quem não sabe criar...

Aninha era uma criança adorável de oito anos. Era filha única e muito amada, apesar dos pais viverem sempre ocupados com as suas realidades. Tudo que ela fazia era louvado por todos. Sempre ganhava tudo o que pedia para os pais. Quando fazia suas peraltices todos diziam: Como é esperta esta menina! E tudo sempre passava sem castigo.
Uma vez Aninha estava com uma prima, a Juju. E elas resolveram brincar de caçar passarinho, mas para isso, precisavam de uma arma. Então, Aninha não titubeou: foi até a garagem, pegou uma espingarda de sal que era do seu pai e atirou, o problema é que o tiro pegou na testa da prima. Apesar de não ter acontecido nada de grave, machucou bastante. Todos ficaram aliviados, pois a munição não era de bala de verdade. Caso fossem Aninha teria dado a Juju uma passagem para outra dimensão. Mas todos compreenderam que a menina não tinha feito por maldade, o serzinho angelical tinha apenas errado o alvo, que era o pássaro. Também, quem manda a prima ser maior que o passarinho e ficar na frente da espingarda? A prima compreendeu e não guardou magoa, mas é certo que pensou com os seus botões, que a arma, de uma próxima vez, ficaria em suas mãos... E tudo voltou ao normal. Alguém até cogitou em dizer as crianças que os pobres passarinhos ficam melhor vivos e, mesmo que o alvo correto tivesse sido acertado, a brincadeira poderia ser considerada meio nociva, no entanto ficou só na cogitação. Ninguém nada falou...
O fato é que estava chegando o aniversário de Aninha e ela resolveu chamar o pai para uma conversa séria: diria o que queria ganhar de presente de aniversário. Era assim todos os anos, se bem que este ano ela queria um presente inusitado. Ela acreditava que o pai iria gostar da ideia, já que sua mãe sempre dizia que ele deveria ir morar numa selva, pois sabia lidar melhor com os bichos do que com a esposa...
E assim, ela, preferindo não perder tempo, ligou para o pai no local de trabalho dele e marcou uma audiência para a noite (preferia encarar como audiência, pois o assunto era sério, afinal seria o seu presente)...
O pai chegou. Já eram 21h. Era meio tarde, mas é que ele tinha passado no bar para tomar uma pinguinha, claro que não para ficar bêbado, apenas “para tirar o estresse” e rever uns colegas (daqueles que só é possível encontra em um bar. Do tipo que se o companheiro não tiver dinheiro para pagar a pinga, ele, muito solicito, paga, mas se precisar de dinheiro para comprar um remédio para a ressaca no dia seguinte... Sente-se muito, mas aí já é abuso, né!). Assim que entrou em casa, foi direto ao quarto da filha para falar com ela:
- Que foi filha?
- Ah, pai, é que decidi o que quero ganhar de aniversário este ano.
- E o que é? Uma boneca?
- Não pai... Boneca é coisa do passado. Agora já sou uma moça. Decidi que quero ganhar um bichinho de estimação, pois não tenho nenhum e todos meus amiguinhos tem um.
- Ah, filha, tem que ver com sua mãe. Saber se ela vai deixar! Mas e o bicho? Você já escolheu? Um gatinho carinhoso como você? Ou um cachorrinho? - Perguntou sem estar propriamente bêbado, mas eufórico por causa da bebida.
- Ah, pai, me ajuda a convencer a mamãe a ter um bichinho em casa! Mesmo porque o bicho que eu quero é um bichinho bem mais legal que gato, cachorro ou esses bichos grudentos... Eu quero uma cobra!
- O que? “Cê” tá doida, menina?
- Não, pai. Ah, pai. Uma cobra é um bicho tão bonito... Eu queria tanto! - E começou a chorar
- Não! Nem pensar! Você só pode estar brincando comigo. É melhor você ir dormir, isto sim! Deve ser o sono que está fazendo você dizer tantas besteiras. - Beijou a testa da filha e foi se aprontar para dormir. Antes, claro, ele e a esposa dariam umas rosnadas de um para o outro. Mas isso é o amor! Como é lindo o amor! Quanto a filha, ele tinha certeza que ela mudaria de ideia. E fica a dúvida: Será que ele conhecia sua angelical filhinha assim tãããão bem!
No outro dia, a menina foi falar com a mãe, que afirmou que não queria bicho nenhum dentro de casa, muito menos uma cobra e ponto final! A menina foi para a escola triste e, desacostumada que estava a ser contrariada, voltou febril. Aquilo foi o fim do mundo para todos. Pobre criança, estava sofrendo! E a avó resolveu ir falar com a menina, que a essa altura, já estava de cama:
- Oi, filha! Você está melhor?
- Ai, vovó... Eu não sei... Meu corpo está dolorido! Vovó... Você sabia que meu aniversário está chegando?
- Ah, sim querida! Por isso você precisa ficar boa, para fazermos uma bela festa para você!
- Ah, vovó... Não precisa de uma festa. Basta que eu ganhe o presente de aniversário que pedi para o papai. Mas nem ele e nem a mamãe quer me dar! - Não que a menina fosse manipuladora...
- Ah, benzinho! Mas o que você quer ganhar? - Disse a solicita vovó.
- Quero uma naja! - Disse a menina com tanta empolgação que os olhos até brilharam. Espantando, por um instante, o desanimo advindo junto com a doença imaginária.
- O que é isso, querida? Alguma boneca?
- Não, vovó! É uma cobra... - A vovó arregalou os olhos e disse:
- O que? Aquela cobra que cospe veneno? Menina, você está maluca, está? - A avó ficou indignada. - E onde acharíamos uma cobra destas. Ela é comum na Índia, minha filha... É longe. E imagine o perigo para toda a família?
- Mas vovó, sem a cobra minha vida não tem mais sentido! Ela se chamará Rosalva e será minha amiga! Sabia que ela fica em pé? Eu posso até me tornar uma encantadora de serpentes e ficar famosa quando crescer!
- Ah, minha filha! De onde você tirou esta ideia...

- Sabia que as cobras não tem ouvidos vovó?
- Minha filha, nem deve ser permitido por lei ter uma cobra dessas em casa. É melhor ir dormir, está bem! Mais tarde a vovó volta. - E a avó saiu desolada do quarto. Então decidiu que compraria uma boneca para a neta e, aí com certeza, a menina tiraria esta ideia da cabeça.
Falou com os pais da criança, foi até a loja de brinquedos e comprou a tal boneca. Mas no outro dia a menina estava ainda mais triste e, mesmo depois de ganhar o brinquedo, a criança continuou mais triste e a febre foi piorando.
A menina foi levada ao médico, que afirmou não haver nada de errado e receitou um remédio para baixar a febre. Então os pais resolveram comprar a tal da cobra para a criança. Verificaram e descobriram que esta cobra era raríssima no Brasil e que para se ter permissão do Ibama para ter uma naja em casa, iria demorar bastante e ainda não era certeza de conseguir. Mas para fazer a vontade de sua princesinha, eles entraram em contato com o submundo do crime e conseguiram uma cobra contrabandeada. A menina, quando recebeu a cobra de presente, melhorou e começou a cuidar da cobra. Rosalva obviamente tinha um canto só seu. Ficava no seu terrário o tempo inteiro e, assim, a vida ia seguindo.
Entretanto, a medida que o tempo foi transcorrendo, a criança foi perdendo o interesse pela cobra. E papai e mamãe tinham suas próprias preocupações diárias, como ganhar dinheiro para a sobrevivência, por exemplo. E até mesmo a preocupação de conseguir sobreviver um com o outro até que a morte os separasse. Oh, doce morte! Chegavam a pensar! O fato é que não se importavam com Rosalva. A cobra assustava um pouco as visitas, pois o terrário dela ficava na sala. Principalmente, quando ficava em pé, colocava a língua para fora e fazia: “shiiiiiii”. Mas, na verdade, isso não representou um grande problema, afinal a família recebia poucas visitas e aqueles que frequentavam a casa foi se acostumando...
Com o tempo a menina foi se cansando de ter que alimentar a cobra. No início era até divertido vê-la devorando os ratinhos, mas depois perdeu a graça. Rosalva começou a ficar um tanto chateada com a situação, afinal queria ser bem alimentada e a comida andava escassa. Já que Aninha, às vezes, esquecia-se de lhe dar comida.
E aí aconteceu... Um belo dia, Aninha foi até o terrário e abriu-o de qualquer jeito. A intenção era alimentar a cobra, que estava quieta no lado oposto ao da fechadura, mas percebeu que a comida de Rosalva tinha acabado. Então decidiu que quando voltasse da escola, ela iria comprar mais ratinhos para Rosalva. Saiu correndo para não perder a condução que seus pais pagavam para que ela fosse e voltasse da escola em segurança e, na pressa, não fechou o terrário de Rosalva direito.
No fim do dia, quando chegou em casa, encontrou a avó, que explicou a situação a netinha. A cobra tinha escapado do seu ninho e atacado os pais. Estes, haviam se tornado vítimas da situação ou da cobra ou da menina ou deles mesmos. Eles tinham conseguido ligar para a ambulância para pedir ajuda, mas não resistiram a picada da cobra... E logo naquele dia que o pai tinha chegado mais cedo em casa! O Ibama já tinha recolhido a Naja e estava abrindo inquérito para saber de onde ela havia surgido. A avó estava lá para aconchegar a menina.

Minha mãe já dizia: Que quem não sabe criar filho, acaba sendo criado! Nesse caso, mordido!

Nenhum comentário:

Postar um comentário